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Dos nomes seleccionados no I Edital de Apoio à Produção da Associação de Cinema e Audiovisual de Cabo Verde, Mário Almeida é o mais experiente na realização, com cerca de meia dúzia de filmes no curriculum e, segundo o próprio, quatro participações em quatro festivais internacionais de cinema. "Inimigo Público nº1" é o seu primeiro projecto a receber um financiamento e valoriza o montante recebido: "Eu consigo fazer algo interessante com pouca coisa". 

 

Foste um dos vencedores do 1ª edital de apoio à produção audiovisual da ACACV, com o projeto de um filme documentário. Qual o tema e como o irás abordar?

O tema geral do documentário é basicamente o regime militar das Forças Armadas de Cabo Verde e o que me motivou a realizar este filme documental é o massacre de Monte Txota, no qual um soldado matou os seus companheiros e mais 3 civis no destacamento militar do maior centro de telecomunicações do país.

Porquê este tema de tantos outros que certamente tens em carteira?

Como ninguém conseguiu compreender como é que um massacre desses aconteceu na instituição mais forte e mais acarinhada do país resolvi abraçar o projeto, mas com um nível de comprometimento maior do que vinha fazendo até aqui no meu percurso enquanto cineasta e investigador. Eu optei por contextualizar bem as forças armadas partindo da Constituição da Republica de Cabo Verde até chegar ao simples regime disciplinar militar que os oficiais põem em prática, passando pelos decretos que impõem o serviço militar obrigatório e pelo código de justiça militar em vigor. Isto é, fiz tudo do ponto de vista militar e não do ponto de vista psicológico do criminoso ou do ponto de vista da indignação de uma sociedade civil espantada, o que me levaria mais do que um ano a realizar e a concluir.

Passou-se um ano e era esperado que os filmes estivessem prontos e que concorressem aos festivais nacionais. O que inviabilizou esse calendário?

Não era suposto que os filmes que ganharam o edital participassem dos festivais nacionais este ano. Não existe essa cláusula no contrato que a ACACV fez com os Promotores dos projetos vencedores.

Referimo-me à expectativa geral e não da ACACV.

A nossa equipa trabalhou pensando nos festivais de 2020.

Neste ponto, o que está feito e o que falta fazer? Quando será a estreia?

Estamos na fase final e em direção à pós-produção áudio. Ou seja, na próxima semana estará pronto (entre 09 a 14 de dezembro, nem mais um dia).

É impossível contar com patrocínios privados para projetos de cinema como os há para literatura, música, teatro... (ainda que apenas um número reduzido de pessoas os consiga nestas áreas)?

Só para teres uma ideia da gravidade da situação de financiamento de privados nos projetos de cinema: desde que me conheço como realizador, esta é a primeira vez que um projeto meu de filme documentário consegue um financiamento, e são apenas 300.000$00. Já participei em 4(quatro)festivais internacionais fazendo filmes de orçamento zero.

 

És um cineasta já com alguns filmes no curriculum e participação em festivais de cinema. O que pensas deste tipo de modelo de financiamento? Recomendarias algo diferente?

Achei formidável que a ACACV conseguisse, finalmente, financiar filmes. Foi a maior novidade que podia haver no cenário cinematográfico nacional. Fiquei mesmo contente. Talvez os outros não tenham se sentido tão à vontade com a quantia que foi disponibilizada para os seus projetos, mas a mim ensinaram-me a trabalhar em condições precárias e difíceis. Eu consigo fazer algo interessante com muito pouca coisa. Devo dizer que até esta data estou a fazer cinema como um acrobata: apenas com as ideias, planos e gravações rápidas, mas com qualidade. Lembra-me aquela afirmação do John Lennon: “dá-me dois pauzinhos e faço-te musica”.

Até aqui tens te dedicado mais à ficção, nomeadamente curtas-metragem. É mais fácil ou mais dificil para ti trabalhar documentário?

A minha pós-graduação é em filme documentário e estratégias narrativas audiovisuais que obtive em Espanha no ano 2005-2006 na Universidade de País Basco. Eu enveredei pela ficção porque descobri que estava a alterar a realidade sempre que punha uma câmara em frente. Tornou-se angustiante porque parecia-me que não estava a reproduzir convenientemente a realidade que eu perseguia. Eu próprio estava a tomar parte daquilo que era suposto distanciar-me o mais longe possível por razões de objetividade. Senti-me mal. É mesmo difícil fazer documentários. Por isso optei por fazer pequenas curtas metragens de ficção onde podia controlar os fatores criativos de realização. É o que eu vinha fazendo até que, contra todos os acontecimentos imagináveis, a realidade ultrapassou a ficção com o massacre de Monte Txota em Cabo Verde. É que o mais longe que eu consegui levar a minha imaginação em matéria de violência urbana foi com a curta-metragem “Sete e Meio” no qual representei um homicídio de primeiro grau no ecrã que culmina num plano de uma revolver 9 mm no ecrã. E no ano seguinte, um jovem faz uma coisa daquelas? Daí pensei: para quê produzir a ficção, se a realidade já está carregada de ficção? Por isso voltei a dedicar-me ao documentário.    

Estamos a aproximar-nos do final de mais um ano. Como membro da ACACV que expectativas tens para o Cinema e Audiovisual nacional?

As minhas expetativas são boas. Acho que vão lançar um novo edital com um valor mais elevado e se tudo correr bem, penso concorrer com um novo projeto: uma outra longa metragem. Para alem disso a ACACV já está a enriquecer o cenário do cinema nacional com novos valores em edição, realização e interpretação. Só nos resta aplaudir.

 

Mário Almeida

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