Em Outubro de 2018 a ACACV tornava público o 1º Edital de Apoio à Produção Audiovisual. O documento anunciava concurso com o fim de contemplar com 300 contos os projectos a serem seleccionados pelo júri, e que poderiam chegar a 8 propostas escolhidas. Até 15 de Novembro deram entrada 10 projectos. Em Janeiro foram anunciados os vencedores, tendo sido 7 os projectos seleccionados.
Os projectos estão agora em diferentes estágios de produção. Nas próximas semanas iremos dar conta das novidades sobre os mesmos pela voz dos seus autores. A primeira conversa foi com Odair "Dai" Varela.
Foste um dos vencedores do 1ª edital de apoio à produçáo audiovisual da ACACV, com o projecto de um filme de animação adaptado do teu livro para crianças “A fita cor-de-rosa”. Porquê este projecto?
Um dos motivos é por acreditar no potencial da estória “A fita cor-de-rosa”, que por acaso até já foi distinguida com “Menção Honrosa” no Concurso Lusófono Trofa – Conto Infantil/ Prémio Literário Matilde Rosa. E como se trata de um conto meu a ser adaptado, fica-me mais natural esta entrega a longo prazo que é a produção de uma animação 3D. Repara que, se fosse outro Autor a pagar a um Produtor para fazer o que faço por tanto tempo teria que ter outros meios ou desistiria. Como eu não tenho que me pagar então fica mais fácil ter esta servidão voluntária em prol da minha obra. E depois com a excelente parceria, amizade e cumplicidade que consegui com o Realizador Mon de Anjo tornou possível abraçar um projeto que arrancou sem a totalidade do seu orçamento, mas com a esperança de que iríamos encontrar mecenas culturais pelo caminho.
Em que ponto se encontra a produção?
O vídeo é uma animação de curta-metragem que mistura a aventura e o drama e foi dividido em blocos para a sua animação. Estamos a passar para a fase de produzir o primeiro bruto completo. As músicas já foram gravadas, falta ainda alguma produção musical. Estamos a trabalhar o material de divulgação. A parte que nos irá colocar maiores constrangimentos será na renderização da animação, caso queiramos uma qualidade superior de imagem, ao nível do que se faz internacionalmente. Isto por causa dos custos que irá acarretar e porque o financiamento não está ainda assegurado. Contamos ainda trazer mais parceiros para este projeto, para além da Associação de Cinema e Audiovisual, através do seu Edital, e do banco Interatlântico e da GARANTIA Seguradora, duas instituições que já tinham confiado antes em outros projetos meus.
Contas com uma equipa de produção ou será uma one man prodution?
Esta é uma “super-produção” que conta com muitas parcerias. Para além de eu ser autor do livro a ser adaptado para esta animação 3D, também atuo como Produtor Executivo, ou seja, a minha função é fazer as coisas acontecer. Por isso, se alguma coisa der errada já sabem em quem colocar a culpa. Mas a realização da animação está a cargo do artista Mon de Anjo, que tem uma espécie de licença poética para fazer a adaptação do livro “A fita cor-de-rosa” para a linguagem de animação 3D com toda a liberdade artística. É dele as opções de posicionamento de câmara, os cortes e o ritmo da estória. Claro que como Produtor a minha opinião é válida e debatemos ideias sim, mas as opções de realização e as propostas artísticas e técnico-estético pertencem ao Mon de Anjo.
Para auxiliar o Realizador Mon de Anjo convidamos um generalista 3D de Marrocos chamado Simo Hamedzahi para criar as personagens 3D a partir das versões das ilustrações 2D originais criadas pelo artista Rogério Rocha para o livro “A fita cor-de-rosa”. Para dar voz à animação contamos com o comunicador Daniel Medina como narrador, a actriz Mirtó Veríssimo como a Gata, o cantor Éder Xavier como o Pombo e para o Cão ainda estamos em negociações. Na trilha sonora contamos com o músico Joel Almeida como nosso Produtor Musical, em parceria com Jeff Hessney, a cantora Giselle Silva que colaborou na melodia. As músicas – todas elas com letra da minha autoria – estão nas vozes de Romeu di Lurdes, Leroy Pinto, Ana Lisboa Santos e o próprio Joel Almeida, com a produção no estúdio feito pelo Ivan Medina e ainda para a sonoplastia contamos com os instrumentais do versátil guitarrista, Toyss Andrade. Espero não me ter esquecido de alguém. E isto só nesta fase porque deverão entrar mais pessoas para a fase de exibição e distribuição. Sou uma pessoa de sorte por poder contar com tanta gente talentosa e disposta a aceitar o meu convite para participar.
Quando prevês a estreia e que percurso gostarias de ver o filme fazer?
Ui, nós já prevemos muitas datas, mas por ser uma área de produção criativa em que falta quase tudo, fomos adaptando as datas. Contudo, de acordo com o Edital da ACACV temos até o final deste 2019 para apresentar o filme e isso faremos. Esta animação 3D pretende projetar a produção audiovisual de Cabo Verde em circuitos de exibição não comerciais, e por isso gostaria de o levar a festivais de curtas e animação internacionais. Para além dos circuitos não comerciais, será focado o mercado das televisões na CPLP numa estratégia de exportação e de maior visibilidade do produto nacional para o segmento do entretenimento para a infância. Por ser uma produção não datada e de exibição em multiplataformas, esta animação 3D caracteriza-se pelo seu alcance e longevidade, podendo entrar novos parceiros mais para a frente que possam viabilizar a sua circulação e distribuição.
Mas também no campo do retorno económico é preciso levar em conta que os dados mostram que o mercado de animação 3D deverá crescer rapidamente, muito por causa das suas aplicações nas indústrias de mídia e entretenimento, entre outros, segundo o Relatório da Grand View (goo.gl/sH39JY). O mesmo estudo aponta que nas perspetivas regionais, África está na cauda da tabela para o período 2014-2025. Razão forte para Cabo Verde posicionar-se como um dos emergentes neste setor e bater-se por uma fatia deste mercado de animação 3D que alcançará 28.31 biliões de dólares até 2025.
O cinema de animação é território praticamente virgem em Cabo Verde (que se saiba existe apenas uma curta do falecido Dudu). Com este edital são dois os projectos de animação. Acreditas que poderão ser um impulso para que este género comece a ser explorado, agora que a tecnologia para este tipo de produção está mais acessível?
Sim, o cinema de animação é um território ainda por explorar em Cabo Verde, mas o cinema no geral tem vários marcos históricos na produção dos mais antigos e que devemos reconhecer. Nós estamos a fazer uso destas tecnologias para produzir a obra animada original “A fita cor-de-rosa”, com o foco na criatividade e esta terá um tempo aproximado de 15 minutos. E, por falar em tecnologias, a linguagem audiovisual que estamos a usar é a animação em 3D fazendo recurso ao BLENDER, um programa de computador de código aberto, desenvolvido pela Blender Foundation, para modelagem, animação, texturização, composição, renderização, edição de vídeo e criação de aplicações interativas em 3D. Em Cabo Verde os dados oficiais apontam que existem cerca de 176 mil crianças menores de 17 anos, entendidas como o público-alvo das publicações para a infância. A nossa vantagem é que esta produção focará na multiplataforma para fazer chegar esta curta a este público-alvo, ainda mais no cenário atual em que 35% destas crianças usam tablet ou computador e 44% usam a internet em Cabo Verde. Temos público para consumir este produto cultural, agora precisamos é encontrar os canais para o alcançar.
Acrescento ainda que, como procedimento narrativo, estamos a usar a voz sobre a imagem, com trilha sonora e cinemática originais para produzir uma visualidade poética das personagens. Serão aplicandos efeitos, soluções imagéticas e sonoras capazes de traduzir a narrativa do conto da palavra escrita, valorizando os aspetos subjetivos das situações retratadas. São procedimentos narrativos que acreditamos serem capazes de agarrar a atenção do público-alvo definido nesta animação. E não posso esquecer a atenção dada às texturas transpostas de imagens de cenários reais das ilhas de Cabo Verde para compor o ambiente da animação e assim traduzir climas e emoções através das imagens. Esta é uma forma de ambientar e de criar no espectador a sensação de identificação (para quem conhece Cabo Verde) e também de levar a marca Cabo Verde para outros cantos do Mundo através desta produção audiovisual.
E como avalias este tipo de iniciativas por parte da ACACV, considerando o status quo do cinema e audiovisual em Cabo Verde?
Iniciativas de fomento à produção audiovisual são sempre de louvar e neste caso a ACACV esteve bem em lançar este Edital de apoio à produção audiovisual. Claro que não se pode ter um grau de exigência de produção muito alto quando estamos a falar de três tranches de 100 contos separados – que é o formato deste Edital da ACACV – mas está-se a incentivar a produção nacional e isso tem o seu valor. Agora, precisa-se apostar realmente nesta área do audiovisual de forma concertada como parte de um ecossistema económico, artístico, educacional e cultural.
As pessoas conhecem-te mais como escritor mas, esta não é a tua primeira experiência no audiovisual. Tinhas/tens em produção um documentário sobre literatura infanto-juvenil em Cabo Verde. Pretendes continuar a dar passos nesta área?
Realmente fiz um grande investimento pessoal como autor de livros para a infância, mas conto também com a experiência como Assistente de produção nos documentários: “Cabo Verde, um ar de paraíso” [França]; “Em uma ilha no Oceano Atlântico vive um homem que constrói guitarras” [Suécia]; “Pacificadores” e “Vida Interrompida” [Cabo Verde]. Depois tive o atrevimento de avançar para uma produção despretensiosa de um registo documental sobre o panorama da literatura para a infância em Cabo Verde que por falta de apoios (cansei de pedir) não se concretizou em vídeo e agora transformei a grande informação nele contido em um livro a ser publicado brevemente. Neste momento assumo-me mais como Produtor Cultural, de uma forma mais genérica, pois engloba a criação do texto, das letras das músicas e da gestão das equipas para a produção do conteúdo, seja o livro, a música ou a animação, como neste caso. Pretendo sim continuar a explorar esta vertente de Produtor Cultural e até já produzi as personagens de outro livro meu, “Tufas, Princesa Crioula”, a pensar em uma série de animações para dar a minha contribuição na produção para a infância. Falta “só” dinheiro.